Gosto de leituras que me deixem com a cuca fundida, como diria aquele velho título do Woody Allen. Minhocas na cabeça, pulga atrás da orelha, uma investação animal em meu cérebro. Foi o que acabou por provocar o Gênesis.
Vocês lembram que falei sobre essa obra há pouco tempo. Minha visão não parecia tão absurda mesmo: o texto, além de contagiante, traz uma experiência que não me era comum. No decorrer da narrativa, a personagem principal, Anaximandra, está sendo avaliada para entrar na Academia. O tempo inteiro é assim. E nesse espaço de tempo, ela conta a história de Adam, que revolucionou a República de Platão: através de sua morte, as máquinas perceberam que, mesmo comandadas a não ferir seres humanos, poderiam fazê-lo. Art estrangulou Adam, a pedido do mesmo, mas gerou um grande problema. A criatura destituiu o criador, como já ficara evidenciado em Frankstein ou em O médico e o monstro. Só que ainda não tinha presenciado uma narrativa que fosse desituída de seres humanos, apenas máquinas, que revisitassem a história dos homens para eliminar qualquer máquina que fosse contra o que havia sido padronizado. "Revolucionar seria a decadência", como explica Anax, segundo Platão.
Por mais que a obra trate de assuntos relativos à Biologia, à História, à Sociologia, à Filosofia, uma das questões que mais me chamou a atenção foi sobre o poder. A ética, valor negligenciado atualmente, principalmente no meio político, é vista como prova para entrar na Academia e nada mais. Afinal, não é útil para o governo ter uma cabeça que pense nos demais, modificando todo um panorama pré-estabelecido, quando é mais simples, mais comum simplesmente eliminar esse ser. É o que acontece com Anax: ao perceber que tudo fora obra de Adam para que as máquinas se "sentissem" inferiores aos homens - mas ao mesmo tempo tão poderosas -, teve de ser eliminada, pois poderia contaminar uma sociedade com ideias que levantassem suspeitas sobre a Academia, o Congresso e todo o governo instituído. Calou-se uma voz de razão, que teria capacidade de modificar o que havia. Fez-se o mais tranquilo: manteve-se tudo como sempre fora.
Transpondo para nossa realidade, é o que se demonstra em diversos movimentos. No caso, por exemplo, do que é dito sobre a governadora Yeda: mataram um antigo assessor, que morava em Brasília, para que esse não testemunhasse contra a própria regente do Estado. Se isso realmente ocorreu, temos um caso de queima de arquivo, tal como Anax era - uma máquina receptora de informações, as quais aniquilariam um contexto. Se o ex-assessor ainda fosse vivo, o quanto poderíamos saber sobre as peripécias de Yeda? Se Anax sobrevivesse, como seria a sociedade da República ao descobrirem que a máquina matou o homem e a fez como era?
Não é possível abstrairmos respostas. O que se julga, como realmente útil para nossa reflexão, é a forma como isso se dá em nossas mentes: buscar mudanças ou manter o que há? Esperar reformas oriundas das classes populares ou da elite ou, quem sabe, fazer algo para mudar a sociedade? A história de Anax pode ser mera ficção para quem a lê distante da realidade, mas quem se aproxima dela descobre uma gama de possibilidades muito grandes para lutar pelo que pensa como correto.
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