Sempre escutamos histórias sobre como a ditadura foi complicada para a massa que queria a democracia para o país. Repressão, prisão, humilhação. Um país afogado em dívidas e um povo afogando as próprias palavras. Na literatura, houve muito destaque pra isso.
Há um bom tempo atrás, apresentei um trabalho no Seminário de Crítica Literária, na PUCRS, que tratava sobre o assunto, mais especificamente sobre a questão do herói degradado nessa época. Meu objeto de análise foi um livrinho do Arnaldo Campos, bem curtinho, chamado Réquiem para um burocrata. O enredo relata sobre um funcionário público que, no auge da ditadura, é convocado a prestar depoimento na polícia. Não sabe o real motivo, mas sua paranoia se perpetua no decorrer da narrativa, graças a uma singela presença numa roda de subversivos, numa dada noite. Com medo de que os militares descobrissem, ele evita falar no assunto, a presença de pessoas suspeitas, sua própria família. Lembra, com muito carinho, apenas da Princesa, sua cadela que falecera há pouco. Perdido em memórias e traído pelo destino, entrega-se à loucura, perdendo todo o senso da realidade. Resultado de uma sociedade opressora e mal regida.
Li ontem Universo baldio, do Nei Duclós, e me lembrei disso. O enredo também gira em torno da ditadura, mas sobre um grupo que fugiu de Porto Alegre e tenta a vida na praia de Itaguaçu, praticamente inóspita, em Santa Catarina. Alguns drogados, outros apenas desempregados, ainda os bitolados. Não havia uma alma que fosse trabalhador comum, que se contentasse com a situação. Alguns até o eram, mas pareciam mais invadidos pelos entorpecentes e acabavam assim. Luís, o protagonista, perde-se em viagens interiores, levando-o de encontro a Honório de Lemos, general gaúcho revolucionário, que o guiará de volta a sua vida.
O enredo parece muito aéreo, contudo traz representações significativas para quem lê: a questão do encontro consigo, o qual muitos já perderam o caminho, mas que Luís acabará trazendo à tona. Um dia, nos fins de 1960, um revolucionário, um lutador contra a repressão; poucos anos depois, um drogado que pedia esmolas e fazia poucos serviços em Itaguaçu; deixara faculdade da UFRGS para viver de música; queria ser escritor, mas mal colocava palavras num guardanapo. Quem era Luís afinal? Quem ele queria ser? Em quem ele se tornou? O livro discute esses aspectos e relança o personagem na sociedade, já sem repressão, sem domar suas ideias, que agora já não mais serviam.
Comprei esse livro numa loja de 1,99. Já me valeu bem mais do que paguei. Partir dessa obra para reflexão sobre quem somos também vale como possibilidade. Afinal, não adianta apenas nos questionarmos constantemente sobre isso se nem conhecemos realidade alheias, sejam essas reais ou literárias.
R$ 1,99? É duro não ser um líder (de vendas). Mas o que é importa é que o livro, lançado em 2001 pela W11/Francis, boicotado pela grande imprensa onde trabalhei por décadas, chega sempre ao seu destino, à leitura qualificada que produz observações tão certeiras e estimulantes como as que leio aqui. Obrigado.
ResponderExcluirDigo: "o que importa é que o livro"
ResponderExcluirMinha admiração por você aumenta mais e mais.Você realmente me surpreende muito,lucas quando escreveres um livro me avisa quero estar lá para ser a primeira pessoa a receber o teu autógrafo,mais uma vez te admiro quando crescer quero ser igual a ti,beijos.
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