4 de março de 2010

Bela e Christine: apogeu da leve expressão

Gosto muito de trabalhar com duas histórias: A bela e a fera e O fantasma da ópera. São dois textos de exemplar figuração feminina, do quadro de avanço da mulher da metade do século XX em diante. Leva-se em consideração que há várias versões para ambas, incluindo os musicais, as versões trash e os desenhos de Walt Disney. Dee qualquer forma, a figura feminina dessas personagens sobrevoa a questão da expressão, a ideia de que a voz é de quem fala, realmente.
Na versão musicada da banda finlandesa Nightwish, The beauty and the beast relata o diálogo entre ambas personagens: a incansável busca pela realização amorosa deflagrada pela Fera, que verá refreada qualquer ação tendo em vista a negativa da Bela. Coroa sua decepção ansiando a eterna ovelha presente nela, cujo lobo não irá desistir de sua posse. Ela, contudo, explica ao ser que não o quer mal, apenas não pode ficar com ele, já que sua frieza e incompreensão, somadas à instintiva vontade de possuir, fecharam seu coração e nada mais se tiraria de lá. A voz feminina não é mero acerto da música: corrobora com a frequente valorização da mulher na sociedade atual. Ter voz não é simplesmente existir enquanto ser, porém existir socialmente, de forma ativa. Um lapso se dá, aparentemente, quando ela sugere estar presente com o outro para sempre; a leitura aprofundada revelará, no entanto, que as suas ideias devem ser eternamente presentes nele, já que ela o quer auxiliar a descobrir o outro lado de sua brutalidade: a redenção de sentimentos expostos e retribuídos.
Por outro lado, a banda finlandesa reaproveita as falas do musical The phanton of the opera para reproduzi-las em sua música. Christine, a protagonista, não enxerga a imagem do fantasma, mas assimila sua existência através de seu crescimento: o canto. Se levarmos em consideração que as manifestações artisticas são frutos da expressão única do indivíduo, dotadas de subjetividades e relações mundanas, perceberemos que o avanço da moça não é uma mera ação de um fantasma ou de um homem travestido disso, mas da capacidade interior de explorar os próprios sentidos. Não basta identificar um ser que dialoga com outro através da obscuridade ou da inexistência, pois com nada tem identificação a capacidade exclusiva de cada ser em se expressar. Ou seja: algo ou alguém pode ser o mote, o incentivo ou aquele que liga o botão para um máquina funcionar - este, no entanto, não substituirá a ação referida pelo que a executa, mantendo o distanciamento entre os dois seres. Logo, um é propulsor; o outro, o executante. Se o fantasma era o propulsor, a voz de Christine não era um trabalho do fantasma, mas a sua aptidão que ganhara fôlego. Com isso, a voz feminina novamente ganha leveza e autenticidade, não permitindo que a manipulação do fantasma seja completa - como não o é, no decorrer do enredo.
A leve expressão que ambas personagens destacam não deve ser vista de forma despercebida. Ambas falas - ou cantos - são reflexos de autêntica expressão do homem, sem domínios de outrem. Cantar já denota a expressão dos sentimentos, mas a descoberta de sua individualidade através dos pensamentos reforça sua canção: não se pode nutrir a esperança da criticidade em um indivíduo se o mesmo não tem voz necessária para executá-la. Bela e Christine tiveram. Nós também temos. Será que nos falta uma Fera ou um Fantasma que nos faça falar?

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