28 de junho de 2010

Todos já sabiam

Um local em que tudo é voltado para o mais simples. Uma cidadezinha do interior, poucos habitantes. Um clima quente, um povoado em que todos se conhecem. Essa é a ambientação de Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez. Todos já sabiam o que iria acontecer. Nada fizeram.
Um cidadão que tem seu nome veiculado desde que uma moça espancada afirma ter sido ele a maltratá-la faz com que toda uma geração se comprometa com o ódio e assuma a situação de não deixar a honra de lado. Há inúmeras facções da sociedade que ainda primam por essa tola e estúpida situação. Se todos soubessem que quem realmente fez aquilo com a mulher não foi o prometido à morte, surpreender-se-iam tanto que não fariam nada contrário.
Num momento em que a busca pela solidariedade ainda é uma constante na vida de todos, esse tipo de ideia vai na contramão. Naturalmente a obra de García Márquez tem muito mais a aprofundar do que isso, mas o fato de eu estar estupidamente preocupado com o jogo do Brasil contra o Chile me impede de pensar em aprofundar esses pensamentos. Aliás, todos já sabiam: vitória do Brasil.

23 de junho de 2010

Sobre a morte de José Saramago

por Luciano Oliveira *

O título deste artigo é uma evidente brincadeira com o ateísmo militante de Saramago, agora que o grande escritor português morreu. Se seu espírito partiu desta para outra ou, como ele incisivamente acreditava, tudo o que um dia se chamou José Saramago  carne, fluidos, desejos, ossos, inteligência  agora virou literalmente cinzas, nunca nenhum de nós saberá, porque tudo isso pertence agora ao Grande Mistério. Devo dizer que conheço pouco sua obra. Mas me lembro ainda hoje de um longínquo carnaval em que, refugiando-me já da ruidosa folia que só fez piorar desde então, li, maravilhado, O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Era um grande escritor, dono de um estilo todo seu que o leitor identificava assim que lia as primeiras linhas  da mesma maneira que três acordes identificam a música de um Piazzolla, por exemplo. Foi um desses autores que invertem o gesto do leitor que larga o livro quando quer: o texto dele nos agarrava!
Isso é uma coisa. Outra são as idéias desse renitente comunista e ateu português. Sei que de acordo com um velho fair-play  afinal de contas o defunto não está mais aqui para se defender , não se deve falar mal de quem acabou de falecer. Mas, no caso de figuras públicas, suas ideias como que se despregam da boca que as enunciou, passam ao domínio público e, nesse espaço, é legítimo, sim, delas discordar; e, até, reafirmar tal discordância exatamente num momento como esse em que a morte, com o seu poder de beatificação, produz uma espécie de culto ao grande morto, como se tudo o que ele tivesse dito merecesse devoção.
Não é o caso. É preciso lembrar que Saramago, politicamente, protagonizou, antes de escrevê-lo, seu próprio “ensaio sobre a cegueira”! Apenas em abril de 2003, depois que o regime caquético de Fidel Castro fuzilou três desesperados cubanos que seqüestraram um barco de turistas numa tentativa mambembe de fugir da Ilha  uma operação em que ninguém saiu ferido e deu literalmente com os burros n´água  é que Saramago escreveu um artigo em que declarava seu afastamento do regime cubano com uma frase que ficou famosa: “Até aqui cheguei”. Chegou tarde. O mais surpreendente é que, a despeito disso, continuou proclamando-se um comunista de velha cepa, como se o stalinismo, o maoísmo e todos os milhões de mortos que esses regimes produziram fossem desvios de percurso, e não algo inscrito na lógica mesma da ideia estapafúrdia de produzir um “homem novo” através de um regime político. Como disse certa feita outro grande escritor, Graham Greene, “a inocência é uma forma de insanidade”…
Voltando ao assunto sugerido pelo título, há algo de primário no ateísmo militante em que o morto parecia se deleitar. Crenças são crenças e é difícil argumentar racionalmente a respeito delas. Descrenças, também. Mas certas provocações de Saramago eram tão ásperas que pareciam ecoar um vetusto anticlericalismo de comunista português que passou boa parte da vida adulta vergado sob a ditadura beata de Salazar, à qual nunca faltou a bênção da Santa Madre Igreja. A ideia de Deus como o “maior absurdo” criado pelo “cérebro humano”  palavras suas  soa gratuita e, metafisicamente falando, é primária, porque nada resolve acerca da questão fundamental do próprio Ser  que já atormentou a cabeça de tantos filósofos: por que existe algo ao invés de nada? Noutros termos, por que o universo existe? Questão intransponível. Despercebida pelo homem comum, ela interpela a certeza do ateu que acha absurda a existência de um Deus incriado, mas não nota que a existência de um mundo sem Deus, por conseqüência também incriado, é igualmente absurda! A questão atormentou Aristóteles, que a resolveu através da hipótese  incorporada, aliás, à teologia cristã por São Tomás de Aquino  do “primeiro motor”, espécie de exigência lógica para o pensamento salvar-se do bloqueio em que a questão o mergulha.
Outra provocação lhe era particularmente cara, a de que as religiões, “sem exceção”  as palavras são igualmente suas  “fizeram à humanidade mais mal do que bem.” Trata-se de uma afirmação, como diria o filósofo Karl Popper, “infalsificável”. De um lado porque não se conhece sociedade humana que não tenha tido religião. Então, como comparar?  como saber se a ausência de religião produziria um mundo em que há mais bem que mal? Europeu e, portanto, inserido na tradição judaico-cristã, Saramago, ao dizer essas coisas, provavelmente tinha em mente instituições como a Santa Inquisição e eventos como as guerras de religião que ensangüentaram a Europa durante muito tempo  aquela e estas, de fato, coisas más e, aliás, muito pouco cristãs! Mas disso pode-se deduzir que o sentimento do sagrado não foi igualmente responsável por coisas boas? A Santa Madre, por exemplo, não gestou apenas a intolerância de Santo Inácio de Loyola, abrigou também o infinito amor por todas as coisas de um São Francisco de Assis. Aliás, saindo da órbita ocidental, o que dizer do Budismo  segundo o qual os homens não têm o direito de fazer mal sequer a uma minhoca?…
Deixemos tudo isso de lado. O grande escritor está morto e não mais escreverá. A mão que compôs com tanta humanidade o Evangelho Segundo Jesus Cristo não está mais aqui. Mas o livro está! Invertendo o que disse Drummond, “as coisas lindas, muito mais que findas, estas ficarão”.

* Luciano Oliveira, Recife, é professor de sociologia da UFPE.

22 de junho de 2010

Tom Bombadil

Li ontem As aventuras de Tom Bombadil. Como eram duas traduções, li a literal, independente da forma, preferindo os versos brancos e a técnica mais narrativa para compreender um pouco dessa personagem. Durante os 16 poemas presentes, procurei me manter ligado numa sequência histórica de fatos literários. Pena que justamente isso não havia.
A função do poema lírico tem seu fim em si mesmo. O épico é aquele que apresenta uma história sequencial em casa parte ilustrada, ainda dividido em cinco principais: apresentação, invocação, dedicatória, narrativa e epílogo. Nos poemas sobre Tom Bombadil, há uma série de aventuras as quais o personagem se encaixa, além de outros em que ele conta sobre mitos e lendas da Terra-Média. É um livrinho bem curioso, de fácil assimilação e que busca refletir sobre os acontecimentos anteriores às grandes narrativas desse mundo, colocadas no Silmarillion e no Senhor dos Aneis.
Achei muito interessante o poema sobre a Princesa Mi e a outra princesa que ficava num poço de cabeça para baixo. As duas nunca se veriam, pois a "afogada" não podia ver a beleza de Mi, já que ansiava ser tão ou mais bela que a outra. Assim, as duas se sentiam apenas pelos pés, numa imersão provocada pela imagem da irrealização. Afinal, o desejo pelo que se não pode ter já é uma busca sem vitória, pois se aceita desde o início que nada será como se busca.
Apesar das várias narrações, as feições mais belas do texto se prendem às descrições do ambiente e das personagens. O aparecimento do Homem-Salgueiro, do próprio Bombadil, da Princesa Mi e do Troll configuram boa parte da rede de personagens que se destacará nas obras supremas de Tolkien. É uma boa leitura pra quem se interessa pela assunto e quer conhecer como ocorreu a formação das lendas da Terra-Média. Só não busquem muitas aventuras por lá.

Dos passos certos em linhas tortas

Nunca sabemos exatamente o que o amanhã no oferecerá. Nosso momento normalmente é tão volátil que, numa raspa de circuntância, pode ter tudo modificado. Os sinais começam a aparecer e só saberemos de nossas respostas depois de tudo que possa ocorrer num vendaval se ir. É o que deve acontecer em 10 dias comigo.
Na verdade, tenho quase certeza do futuro fato. Uma entrevista totalmente em inglês com alguém que dificilmente arranha o verb to be não pode ser suficiente para conquistar uma vaga. A tal escola tem seus encantos: um grande número de alunos presentes - mais ou menos o triplo de minha atual -, sendo que cerca de 30% dão internationals. Alunos das Américas, da Inglaterra, de alguns países europeus. Atraente! Quase a metade do corpo docente é oriunda de Inglaterra, EUA, Nova Zelândia e Austrália. Seria uma troca cultural extasiante. Só que sempre há um porém em tudo.
As chances de me garantir nessa escola, no meu modestíssimo ponto de vista, são quase irreais. O americano que me entrevistou ainda disse: "Congratulations for your english! With a little practice, you'll say perfectly!" - Mas pára por aí. Um elogio desses serve apenas pra que eu não me arrependa de tentar. E disso realmente não me arrependi, apesar de que, quando a secretária me ligou e pediu pra eu conversar com ela nessa língua, estive por conseguir me comunicar - só me faltavam palavras e perder um pouco desse medo.
Quando optei pro fazer a graduação em Letras, omiti as línguas estrangeiras. Vejo agora que um pouquinho de inglês seria exatremamente necessário. De qualquer forma, minha linha certa continua seguindo pra um rumo comum e, sinceramente, não espero ser chamado. Afinal, minha rota seria desviada e uma construção de anos poderia desmoronar - principalmente em minha cabeça - para tentar um novo desafio numa hora incerta. And I'll try to talk in English in the future, because the recent past confirms that I need to know more.

21 de junho de 2010

Falecimento

Hoje o dia foi realmente muito triste. Pensei que me sentia mal pelas dúvidas que me tem acometido ultimamente, mas percebi que nada valiam perto da notícia que recebi agora à noite. Faleceu um dos meus maiores - senão o maior - mentor dentro da área de Letras. Meu maior incentivador, que me dizia ipsis literis: "vai fazer o Mestrado, vai fazer o Doutorado e ganhar a vida!".
Quando na graduação, já no quase longínquo ano de 2002, eu o conheci. Então professor de Literatura Portuguesa I, falavam maravilhas sobre o cara - muito mais pelas conversas do que propriamente pelas aulas. Sisudo, começava as aulas com questionamentos do cotidiano antes de adentrar o conteúdo. Mil palavras que para alguns foram em vão. Para mim, não. O velho professor me trouxe muito conhecimento - acadêmico e mundano. Lecionou Literatura Portuguesa II, Literatura Brasileira II, Literatura Infanto-Juvenil. Frequentei todas essas aulas. Foi meu orientador no Trabalho de Conclusão de Curso. Lembro como se fosse ontem: "como tu podes ir adiante, vou te ajudar a montar um ótimo TCC". Foram 110 páginas de muito discurso erótico-amoroso. Não que ele fosse muito apto à ideia que resolvi cultivar, contudo sempre foi engenhoso em qualquer parte de minha montagem.
O antigo professor me dava carona quase sempre. Teve até algumas vezes em que esqueci de pegar dinheiro para passagem de trem e lá vinha ele com umas notas amassadíssimas de R$ 2 pra eu voltar. Isso quando ele não oferecia a carona. Aí a conversa se prolongava: caminho mais longo, mais papo. Não pensem que era besteira ou uma pedofilia velada: era uma conversa do cotidiano literário, da vida acadêmica, do muito a aprender e a respeitar.
Morreu o Dr. José Fernando Louzada de Miranda. Abri o jornal, milagrosamente vi o obituário - que, engraçado, hoje uma aluna me perguntou quem o lia - e notei seu nome. É uma perda muito grande. Muito conhecimento que pouco era reconhecido enquanto fui seu aluno. Publicou muitas obras, difíceis para o público de hoje, devido ao teor minucioso com que queria que nós abordássemos os textos. Independentemente disso, morreu um ícone da PUCRS e do Unilasalle, seja pelas palavras ou pelas atitudes e, acima disso, pela grande pessoa que sempre fora.

20 de junho de 2010

Amor e equivalências demoníacas

Como dissera, um de meus alvos nesses dias inóquos foi Do amor e outros demônios, do Gabriel García Márquez. Num dia, à noite, tossindo e sentindo moleza pelo corpo, peguei dois livros para ler, dentre os quais o citado. Uma leitura inquietante, apesar de momentos mornos, repleta de seres que só podem fazer parte da literatura fantástica.
A obra trata sobre uma menina que fora desprezada desde a infância por pais que nunca se amaram. Um cão raivoso a morde e tudo parece se encaminhar para a morte da menina; pelo contrário, quem morre é o cachorro. A partir daí, a narrativa toma contornos sobre-humanos, pois se passa a crer que Sierva María está dominada pelo demônio.
Surge a figura inquietante do Padre Delaura. Servo do bispo local, ele é convocado a exorcizar o corpo da moça. Excentricamente, o pároco se apaixona pela possuída, com quem deseja ter uma relação intensa, porém se reprime diante de sua condição eclesiástica. De qualquer forma, em dada altura da narrativa, ambos ficam frente a frente, postos em prova seus sentimentos, para a redenção acontecer.
O amor entre o padre e a moça denota diversos demônios. O amor é o principal deles, tendo em vista que as imagens são mais claras do que os sentimentos representados: o pai e a mãe de Sierva María têm um casamento de fachada, já que ele era um nobre que não obteve seus ideais amorosos quando mais jovem, casando-se com idade avançada e com uma mulher muitos anos mais jovem que o despreza. Levando em conta o péssimo relacionamento e a gravidez dela, passam a se odiar ainda mais, jogando no feto todas as atrocidades que diziam um ao outro. Assim, Sierva fora jogada aos escravos, que a cuidaram e a tornaram comum. Outro demônio presente na obra é a veneração religiosa como preconceituosa e distante da dos escravos. Um dito amor transcendente que não aceitava a religião alheia e promovia bizarras circunstâncias as quais os escravos eram obrigados a ter. Padre Delaura é outro que sofre por isso, pois crê no amor de Deus antes da fé, mas deve servir ao que seus superiores o indicam. Outra situação, para não me delongar, é a da própria Sierva: o amor pela cultura dos escravos é demonizada, transformando-a num ser totalmente privado de suas vontades por não poder exacerbar seu desejo.
Entre inúmeras circuntâncias de aproximação entre o amor e o demônio, parece ficar de lado o inchaço no tornozelo de Sierva, o que fora mordido pelo cão raivoso. Como ela é cuidada, a mancha vai desaparecendo aos poucos, salvo cuidado do Padre Delaura. O único amor não demonizado é o que não se concretiza, pois Delaura é retirado de suas operações na região. Sierva não pode ter nem seu amor, apesar de tantas ações estranhas e discutíveis que ela rege no decorrer do enredo.
Assim é a obra de García Márquez. Quem nunca leu, deve um dia ter uma oportunidade para isso. O rosto selvagem com que são pintados os personagens alivia a degradação do homem contemporâneo, já que colocá-lo na condição em que deve se encontrar futuramente parece muito mais suave do que ver toda sua derrocada. Dessa forma, reforça-se a ideia de que esse tipo de leitura reflete nossa realidade. Ainda mais quando percebemos que há muito mais demônios do que amores presentes em nossas vidas, sejam esses velados ou expostos.

Finalmente!

Já não era hora! Depois de um século sem postar - na verdade, um mês e meio - resolvo reaparecer, já na metade final de junho, com o propósito de me reafirmar enquanto blogueiro. Achei até interessante que alguns alunos começaram a postar mais constantemente em seus blogs, tratando de assuntos de seu cotidiano e sobre ideias que criaram no decorrer de seus tempos. Muito legal! Só pra constar alguns deles, numa próxima postagem colocarei links.
Muitas coisas aconteceram nesse meio tempo. Apresentação de trabalho na UFRGS, participação no Seminário Nacional de História e Literatura com apresentação e ovação, possibilidade de grupo de estudos na FAPA, conselhos de classe realmente cansativos - muito mais devido aos numerosos textos e provas a serem corrigidos -, mas o que mais me preocupa vai acontecer na próxima terça-feira: uma entrevista de emprego que, se confirmada proposta para mim, pode mudar totalmente o rumo da minha vida.
Existe uma escola em Porto Alegre chamada de Panamericana. Busquei algumas informações sobre ela: pertence a uma rede americana de ensino - inclusive o diretor é yankee -, em que o horário é do modelo americano (das 8h às 15h, com dois intervalos) e teria de lecionar com algum embasamento de inglês, pois há uma série de alunos estrangeiros. Seria uma atividade desafiadora. Muito desafiadora. Muito atraente, por conseguinte. Ainda reza uma lenda de que pagam muitíssimo bem, o que melhora ainda mais a situação.
Nem me passa pela cabeça largar o Santa Luzia. Nunca trabalhei em local melhor. Abandonar os meus queridos alunos é algo que me deixa com o coração na mão. Nesse tempo de ausência, inclusive, tivemos a Feira do Livro da escola e minhas doçuras fizeram atividades muito boas - Jogos Literários, (301) Acorrentados (2010 e Chá Literário (202). Largar isso pra começar tudo de novo é realmente complicado... Veremos o que acontecerá depois de terça-feira.
No mais, alguns livros serão resenhados adiante: Crônica de uma morte anunciada, Do amor e outros demônios, ambos do Gabriel García Márquez, e a conhecidíssima Lucíola, de José de Alencar. Muito bons, diga-se de passagem. Deixarei para adiante, pois agora preciso terminar um artigo para enviar à FAPA.
Aguardem novas postagens.