24 de dezembro de 2009

Experimentando Literatura - II

O texto que virá logo abaixo foi um dos que mais elogiaram no Templo XV. Já tem alguns anos, mas espero que ainda se deliciem com a leitura.


Confissões (2003)
É, meu amor... Os dias finalmente passaram! A primavera finalmente floresceu, o calor cedeu, a chuva voltou. Belos como o pôr do sol, como as violetas que brotaram, os dias têm sido de intensa felicidade. Pena que ainda não nos revimos! Mas isso é questão de tempo...
Ontem, lembrava de tua mão acariciando minha face. Tua tez expressiva, o olhar fulminante, apenas a refletir meu sorriso sincero. Teu corpo perto do meu, como se fossemos anjos de uma só asa. Completamo-nos em todos os sentidos. Inclusive naquela vez em que fomos ao Morumbi, ver o jogo da Seleção contra o Paraguai. Pegaste na minha mão, me levaste para lá, me fizeste assistir algo que nunca foi de meu feitio ver. Beijava-me a todo instante, ora nem observando o jogo, ora vibrando com cada lance. Mas eu também te fiz passar por maus bocados, eu sei... Ou seriam bons bocados? Lembras quando estávamos no Pinhal, naquela noite em que partimos a Cidreira, ficando vendo a apresentação do Tchê Barbaridade? Eu sempre soube que tu não gostavas de música gaudéria, apesar de seres um gaúcho legítimo. Entretanto, também sabias que minhas veias de prenda não me separavam de um CTG. Dançaste comigo. A noite toda. Te amei demais naquela noite. Observava teu rosto refinado com meu olhar apaixonado. Sentia teu peito encostado a mim como um colosso inabalável. Sim, eu te quero muito, meu amor...
Naturalmente, não apenas de alegrias vivemos nossos grandes momentos, não é? Ainda ontem, eu falava com a Clarissa a respeito daquele conflito que tivemos por causa dela. Lembro-me da terribilidade que fora. Tudo por causa de seu primeiro namorado! Com certeza, suas vestimentas nunca foram algo que agradasse a mim, menos ainda a ti, mas só por causa disso não seria motivo para debates ininterruptos e agressivos. Ficaste furioso excessivamente quando ela disse que assumira o namoro com aquele rapaz. Aliás, sabias que eles estão juntos até hoje? Realmente parece que a decisão deles não foi precipitada... E, até hoje, remeto apoio incondicional.
Quando partiste, pensei que nos encontraríamos em breve. Porém, parece que o tempo não quer colaborar com nossa vontade. Ao menos, com a minha, não. Espero que ainda seja essa a sua. Faz-me tanta falta, amado... Tuas decisões, teu comportamento elevado, superior... Tua alma próxima... Nossa áurea junta... Somos como estrelas de uma constelação, meu amor... Formamos ela apenas juntos. E, junto a ti, continuo querendo ter pelo resto de minha vida. Longa vida.
A Oswaldo Aranha não tem a mesma graça contigo distante. O União, também não. Os passeios pela Redenção parecem-me vazios. O Praia de Belas anda sem graça. Nosso casebre no Belém Velho nunca mais foi visitado. Nem nossa origem, Nova Petrópolis. Que saudades daquele restaurante em que nos vimos pela primeira vez. Sempre íamos lá. Sempre continuamos indo lá. Nossas visitas à Santa Catarina. Tuas viagens de negócios que eu sempre tive o prazer de te acompanhar, fosse em São Paulo, Buenos Aires, Medellín. Nossa primeira e única viagem para o Oriente. Taiwan, China, Hong Kong, Tailândia, Japão. Culturas belíssimas. Não como as nossas, mas eram muito belas. Mas tudo, para nós, sempre foi nossa capital. Nossa casa no Jardim Lindóia. Teu trabalho no Centro, o meu na Azenha. Tudo saia bem aqui. Problemas? Quando? Para quê tê-los, não é? Ninguém sabia como nossa vida era tão cheia de ventura. Ah, mas isso tudo foi porque soubemos construir...

Agora, ando só. Por que ficas tão distante? Por que não me deixas aproximar de ti? Ou será que sou eu mesma que não permito? Quero estar junto a ti em todos os momentos, todas as situações, todas as alegrias, todas as tristezas. Permita com que eu chegue a... Hm?
- Vovó, hora de irmos, tá tarde...
- Eu sei, minha querida... Ajude-me, por favor...
E assim foi. Saíram do cemitério sem previsão para volta. A doce senhora ainda observa novamente o jazigo do fiel amado, que dorme em paz. Uma lágrima resvala o rosto. Ela se vira. E sai caminhando. Lentamente.




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