17 de julho de 2010

Aproveitando as férias...

Ler é fundamental e todos já sabemos. No site Kzuka, dois editores do Grupo RBS deram suas dicas de leituras para a gurizada aproveitar nas férias. Selecionei um deles, bem fundamentado, para deixar de dica para gurizada:

* Luiz Antônio Araujo (@luizaraujo_) — editor de Cultura do jornal Zero Hora desde 2009. No jornal desde 1996, passou pelas editorias de Capa, Geral, Digital, Segundo Caderno e Política:

Ler é uma grande viagem. Com a vantagem de que você não precisa enfrentar lista de espera, overbooking ou o Salgado Filho fechado pela neblina. Quem lê – especialmente quem lê bons livros, mas, em última análise, qualquer tipo de livro – cresce, amadurece e aprende a conhecer a si e aos outros. Aqui vão, portanto, algumas dicas para estas férias:

Romance: é uma história longa, escrita em prosa (não em verso), por meio da qual o escritor nos conta acontecimentos sobre um ou mais personagens. Dizem que o primeiro romance foi "Dom Quixote", do espanhol Miguel de Cervantes, a história de um homem que enlouquece depois de ler livros de aventuras de cavalaria e sai pelo mundo a tentar repetir os feitos de seus heróis. Experimente ler "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger (Editora do Autor), "A Viagem do Elefante", de José Saramago (Companhia das Letras), ou "Khadji-Murát", de Liev Tolstói (Cosac Naify).

Conto: é uma história curta e concentrada em prosa. Você pode imaginar que é mais fácil ler um conto do que um romance. Em termos: mesmo um conto exige atenção e envolvimento de quem lê. Quer fazer um teste? Leia "Os Melhores Contos de Horror do Século XIX" (Companhia das Letras), "Contos Completos", de Sergio Faraco (L&PM), ou "A Dama do Cachorrinho", de Anton Tchekhov (L&PM).

Poesia: é lance mulherzinha, certo? Errado. Por muitos séculos, o melhor da literatura foi feito em versos, incluindo a Bíblia e as epopeias gregas. A poesia não é mais a rainha dos corações, mas nem por isso deixa de ter encanto. Forme sua própria opinião lendo "Antologia Poética", de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras), "Alguma Poesia", de Carlos Drummond de Andrade (Instituto Moreira Salles), ou "Caixa de Sapatos", de Fabrício Carpinejar (Companhia das Letras).

História: você é do tipo que prefere ler sobre coisas que realmente aconteceram? Pois saiba que isso é motivo de uma grande polêmica entre as pessoas que escrevem sobre História com H maiúsculo. De qualquer maneira, há muita coisa boa escrita por historiadores e mesmo por jornalistas para ler. Tente "1808", de Laurentino Gomes (Ediouro).

- Biografia: é a história da vida de uma pessoa, escrita por ela mesma ou por outros. Você curte? Então leia "Beatles – A Biografia", de Bob Spitz (Larousse do Brasil), ou "Chega de Saudade", de Ruy Castro (Companhia das Letras).

- Ciência: o seu negócio é entender as grandes descobertas científicas, o que o homem já descobriu ou está por descobrir, como surgiu o cosmos, essas coisas. Então você tem de ler "A Grande História da Evolução", de Richard Dawkins, ou "A Dança do Universo", de Marcelo Gleiser (ambos da Companhia das Letras).

Se nada do que você leu aqui lhe empolgar, faça a sua própria lista de leitura. Vá a uma livraria ou uma biblioteca, converse com os amigos, escolha os títulos que mais têm a ver com você e comece a ler. E não esqueça: ler deve sempre ser um prazer. Se aquele livro que sua avó lhe deu de aniversário está lhe chateando, deixe-o de lado. Talvez algum dia ele desperte seu interesse. O importante é ler o que você quiser, aqui e agora.

12 de julho de 2010

BBB (Bruno Brasil Barbárie)

por Fernando da Mota Lima – Quem conhece algo da tradição dramática e literária relativa ao crime sabe o que é o mito do crime perfeito. Ele consiste na fantasia do planejamento e execução do crime indesvendável, o crime que nenhum Sherlock Holmes teria a inteligência e o poder de decifrar e portanto punir. Uma das coisas que me horrorizam nos grandes crimes correntemente praticados no Brasil é a presença do ingrediente de brutalidade sem cálculo. Mata-se não apenas com requintes de barbárie, com impiedade inconcebível na nossa noção de normalidade humana, mas também com imperfeição grosseira. Noutras palavras, são crimes praticados sem nenhum vestígio de inteligência e cálculo. Chocam ainda por serem também isentos de paixão. O crime passional, não importando seu horror, é humanamente compreensível. O que talvez mais me horroriza no crime bárbaro é minha incapacidade de compreendê-lo, de enquadrá-lo em alguma noção de humanidade votada à destruição. Portanto, este artigo, escrito por alguém que nada entende de crimes nem deles felizmente participa, não pretende explicar ou compreender o que me parece em último caso inexplicável e incompreensível.
Por que estão se banalizando no Brasil crimes como este que o goleiro Bruno e seus associados são acusados de cometer? Serão fruto de algum mal obscuro e ininteligível existente em alguns indivíduos? Serão um mero produto do meio, como sugere a pergunta feita por Sandra Annenberg, apresentadora do Jornal Hoje, a um psiquiatra forense? Melhor dizendo, ela perguntou se a causa do crime não estaria no fato de Bruno ter vivido uma infância sem pai e mãe, marcada assim por formas traumáticas de privação infantil. Isso é coisa de psicologia de folhetim, ou sociologia de almanaque. Milhões de pessoas no mundo, sem exagero, sofreram formas de privação semelhante sem todavia incorrerem em qualquer tipo de crime, muito menos um do tipo que é imputado ao goleiro.
Estou com isso isentando as condições do meio de qualquer responsabilidade? Muito pelo contrário. O meio importa, sim. Importa de forma poderosa, mas não desse modo grosseiro sugerido pela pergunta da jornalista. A pergunta dela é sintoma, antes de tudo, da cultura da vitimização corriqueira no presente. Quero dizer, estamos sendo condicionados a isentar-nos de qualquer responsabilidade moral com respeito a nossas vidas e ações. Somos, noutros termos, vítimas da vida e das circunstâncias. Ora, penso precisamente o contrário. Penso que todo ser humano é moralmente responsável pelas ações que pratica. Isso não anula, friso, o peso variável das circunstâncias, apenas afirma a necessidade do reconhecimento de uma instância moral regendo nossas ações. Se não aceitamos isso como um fato, então precisamos coerentemente inocentar qualquer tipo de ação humana, além de suprimir a noção de liberdade ou livre arbítrio do horizonte humano.
Vejamos agora como o meio importa. O capitalismo brasileiro já foi mais frequentemente qualificado como selvagem. Era moda assim dizê-lo durante a ditadura militar, quando foi imposto ao país um processo de modernização capitalista autoritário. Ele consistia, melhor dizendo, na mobilização de processos de crescimento econômico que modernizavam o país sem todavia eliminar as condições de atraso e opressão típicas das sociedades pré-modernas. Esta é precisamente uma das singularidades do nosso capitalismo, a que moderniza reproduzindo as condições de atraso. Trocando isso em miúdos, o Brasil entrou para o clube privilegiado das dez grandes economias do mundo sem no entanto suprimir suas características retrógadas ou iníquas correntemente supostas na expressão herança maldita. É uma expressão, sabem os leitores, muitas vezes usada pelo próprio Presidente da República. Ela supõe, entre outras coisas, a persistência das duas grandes pragas que marcaram nossa formação como nacionalidade e povo: o colonialismo e a escravidão.
Peço desculpas aos leitores pelo parágrafo acima, pretensamente sociológico, mas ele importa para compreendermos algo do nosso capitalismo. Mais importante ainda, ele nos ajuda a compreender alguns grãos da nossa barbárie. Deixando a sociologia de lado, essa herança maldita se manifesta a todo momento em fatos sociais como estes: a miséria visível nas nossas ruas, a hiperexploração da mão de obra, o trabalho infantil, a corrupção endêmica, a política do deus dará, a democracia seletiva, com perdão do paradoxo, a prostituição disseminada na sociedade etc. Sintetizaria tudo isso dizendo simplesmente que no capitalismo à brasileira nos tornamos mercadorias baratas, mercadorias expostas, tão sem máscara ou verniz de humanidade quanto os crimes que são objeto deste artigo.
Exemplos? O Jornal Hoje, novamente ele, apresentou semana passada, em meio às repercussões sensacionalistas do crime imputado a Bruno, uma reportagem sobre a fortuna que ele perderá se for condenado. Vemos então um economista expondo, do alto de sua ciência sem alma, do seu saber inconsciente, quanto Bruno perderia se continuasse jogando no Brasil, quanto se se transferisse para a Europa, sonho de todo atleta brasileiro. Isso diz tudo sobre a banalidade do mal no noticiário da mídia, que aliás mais uma vez espremerá o crime até a última gota de sangue. O público, por sua vez, ávido de sangue, acompanha fascinado esse circo de horrores produzido pela mídia a cada crime sangrado na nossa realidade. Outros virão.
Exemplos? O acusado do crime a mando de Bruno, cujo cognome é Bola ou Paulista, foi expulso da polícia civil em 1992. Depois disso foi acusado de muitos crimes sem todavia sofrer qualquer punição. A própria polícia admite agora que é um homem frio e perigoso. A julgar pelo pouco que vi e ouvi, o dossiê do tipo é bem fornido de crimes. No entanto, viveu todos esses anos sob completa impunidade. Aliás, a julgar pelo que circula agora sobre a ficha corrida dos envolvidos, quem nessa história é inocente? Aliás, quem acaso teve a curiosidade de contabilizar o número de crimes que envolvem policiais ou ex-policiais?
Voltando ao contexto geral, nosso capitalismo continua sendo, reafirmo, capitalismo selvagem. Como acima frisei, longe de mim a presunção de propor qualquer explicação para o crime que aqui discuto. Mas como não perceber a sombra nefasta desse capitalismo pairando sobre nossos horrores? Como não perceber que no cerne da nossa anomia social, no cerne de uma sociedade privada de regulação civilizada, as instituições socializadoras fundamentais não funcionam? Melhor esclarecendo, a família, a escola, a religião, a mídia, nada disso funciona de acordo com ideais e valores inerentes a uma sociedade verdadeiramente civilizada. Por isso repito, sem pessimismo ou bola de cristal, que outros crimes virão, iguais ou piores, enquanto a roda viva do nosso capitalismo brutal continuará girando e faturando, vertendo sangue e consumindo vidas que valem zero. Não sou eu quem o diz, são os fatos apreensíveis na mídia, na indústria publicitária, na máquina produtiva, no circo de horrores que é o capitalismo à brasileira.

5 de julho de 2010

Como fazer adolescente ler?

Postado por O Livreiro em 22 de junho, às 11:55 em Amigos  |  Comentários (26)




Por Pedro Jansen*

Foto por Vanessa Ivonne, no Flickr
Foto por Vanessa Ivonne, no Flickr

Esse texto provavelmente vai fazer você bater na testa e dizer “nossa, e pensar que um dia eu não gostei de ler…” e então você vai se ver imberbe ou ainda sem ter pintado o cabelo, colecionando figurinhas, brincando de roda, de bola, “Comandos em Ação” ou vendo qualquer coisa na TV…
Você, um primo, um amigo [ou todos vocês juntos e mais gente ainda] já passaram pela época em que ler significava estudo e que estudo era uma coisa chata às pampas e, bem, infância não combina muito com chatice. Aí te mostraram um gibi aqui, um Monteiro Lobato acolá, a Coleção Vagalume do seu irmão vacilava na estante do quarto… E “plim” [perdão pela onomatopéia tosca], você começava a encarar leituras maiores, enredos mais intricados, mais personagens… E nessa época [vamos colocar aí que todo mundo que tá lendo esse texto nasceu da década de 80 pra trás...] se você não lia, você ouvia música, ou via um filme. Jogar video game era algo bem distante, jogadores de RPG eram intocáveis por sua excentricidade.
Livros da Coleção Vagalume
Livros da Coleção Vagalume

Agora corte. Comece a tracejar uma linha que te guia de meados dos anos 90 até hoje. Pense especialmente na gurizada que nasceu na virada do século e que hoje tem PS3, XBOX 360, Wii, PSP, Nintendo DS e milhares de maneiras diferentes de exercer sua imaginação, conduzir personagens, encadear histórias. E a leitura, que antes era a grande maneira encontrada para exercitar o imaginário, para conhecer novas palavras, para tomar gosto de ler aqueles capítulos imensos do livro de história… tudo se foi.
Nesse momento, pais e mestres mais quadradinhos podem até regojizar: “nós tanto falamos que essa história de videogame não podia ser boa coisa…”. Vamos com calma, né? Os atrativos hoje podem até ser infinitos e embora mais complexos, são mais recompensadores. Um jogo que precisa de 70h para ser finalizado, em que você pode controlar mais de 20 personagens em diferentes ações tende a ter mais apelo que um livro, cuja a história é imutável, “imexível”, estática, encerrada em si.
Qual a solução? As mesmas de antes: material atrativo, que converse com a realidade da gurizada e que não seja mala. Exemplos? Harry Potter mais uma vez é um. Scott Pilgrim é outro. Turma da Mônica Jovem? Mais um. A série de Percy Jackson? Sim. Pense nos símbolos e, principalmente, entenda o discurso. Fantasia, heroísmo e humor vão sempre ter espaço entre os jovens. Pode apostar. :)
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Pedro Jansen é piauiense radicado em São Paulo, jornalista, autor do livro “Deus Ex Machina – Quando o Rock Teresinense Nasceu do Nada” e blogueiro desde 2001. Foi repórter do jornal O DIA – PI e da revista VIP, da editora ABRIL. Foi também editor do Yahoo! Posts e atualmente trabalha na Revista da Livraria Cultura.

3 de julho de 2010

Seis bons romances policiais

No link abaixo, para aqueles que gostam de romance policial, hão de encontrar uma lista feita pelo blog Mundo Livro, do ClicRBS. Vale a pena conferir!
Seis bons romances policiais

2 de julho de 2010

Justiça seja feita

Acabo de acompanhar a eliminação do Brasil. A Copa do Mundo é realmente uma coisa fantástica, principalmente quando ela quebra nossos bolões. Talvez isso não seja o mais importante, mas vale pensar que tudo que lá ocorre não é fruto de mero acaso.
Eu apoiei Dunga em todas as decisões. Finalmente, desde 1994, eu não via uma seleção tão "time" quanto essa. Afinal, eram peças colocadas para fechar um esquema tático, uma espécie de unidade, em que as individualidades seriam suprimidas em nome de algo maior. Se lembrarmos 2006, a seleção fora feita toda sobre a arrogância e prepotência das individualidades, visto que isso não deu certo. Com essa mentalidade, Dunga venceu a Copa América, foi o primeiro colocado nas Eliminatórias e venceu a Copa das Confederações. Acho até muito pra alguém que não tinha experiência alguma no comando técnico.
Assim, a justiça foi feita, por todos os lados. Dunga manteve sua ideia, manteve convicções que muitos do povo e a mídia duvidavam, levou a seleção adiante. Os jogadores, nervosos pós-primeiro gol, não souberam voltar ao que o capitão do tetra se comprometeu. O Brasil perdeu por limitações técnicas também, mas muito mais pela falta de preparo psicológico - basta observar as atuações de Felipe Melo nas partidas em que atuou. Até Juan e Julio César tiveram seus maus dias hoje. Kaká e Luis Fabiano foram peças omissas também pela marcação holandesa, mas poderiam ter sido mais. A Holanda mostrou-se um selecionado de comportamento alterável, pois começou mal o jogo e soube reverter. Se o jogo tivesse apenas um tempo, os brasileiros estariam na semi-final.
Todos sairam com suas convicções: a imprensa, de que a seleção deveria ter convocado as promessas santistas e de que Felipe Melo não serve ao selecionado; o povo, de que o Brasil deveria ir mais pra frente, em busca da vitória, de que Dunga deveria entupir de atacantes o espaço que antes era razoável na zaga holandesa; por fim, Dunga, que só não saiu vitorioso pelo fato de que seus jogadores muito se abalaram após o primeiro gol. O próprio Julio César saiu de campo admitindo os problemas dos atletas.
E, dentre todas essas convicções, firmo-me: Dunga estava certo. A justiça fora feita.

1 de julho de 2010

Questões de meritocracia

Há horas que se debate a questão da meritocracia nas escolas. Sou favorável, desde que não desprivilegie o profissional que tenta, mas não atinge o mínimo de aprovados necessários. O jornal Zero Hora, tempos atrás, publicou uma série de reportagens que envolviam essa questão, abordando realidades da América do Norte e da Europa como modelos a serem desenvolvidos aqui - naturalmente não foi considerada a realidade local. De qualquer forma, exponho aqui uma reportagem veiculada, para que pensem sobre essa questão.

O X da Educação  |  18/06/2010 18h39min

Meritocracia em debate: sete ideias para qualificar os professores

itamar.melo@zerohora.com.br
1 - Formação de qualidade

Problema:
a formação no país é de baixa qualidade. Formação ruim gera professores ruins.
O que pode ser feito: além de melhorar a qualidade dos cursos, fechando os mais precários, é necessário rever o modelo brasileiro. Os futuros professores aprendem teorias pedagógicas, e não a ensinar. A saída é oferecer cursos voltados para a prática.

2 - Tornar a carreira mais atrativa

Problema:
a profissão atrai, em geral, pessoas que não se destacaram na vida escolar. Os mais talentosos procuram outras atividades.
O que pode ser feito: é preciso fazer a carreira de professor valer a pena. Os salários têm de ser competitivos, com perspectivas de crescimento. Carga horária e disponibilidade de recursos didáticos precisam melhorar.

3 - Premiar o mérito do profissional

Problema:
a qualidade do professor é o principal fator do aprendizado, mas no Brasil o quesito é pouco levado em consideração.
O que pode ser feito: recompensar os melhores é uma forma de estimular o aperfeiçoamento e a qualidade. Especialistas propõem mais treinamento ou mesmo punições a quem não consegue ensinar.

4 - Dar suporte técnico
Problema: os professores recebem pouca ajuda para fazer seu trabalho e para superar os obstáculos em sala de aula.
O que pode ser feito: promover os mais talentosos para a função de tutores dos colegas. Eles serviriam como auxiliares, indo às aulas para observar o docente, orientá-lo sobre o que pode fazer melhor e ajudá-lo a montar estratégias.

5 - Avaliar alunos e escolas
Problema: a escassez de dados sobre desempenho é um obstáculo para saber o que funciona e o que não funciona.
O que pode ser feito: montar avaliações permanentes e bancos de dados que permitam saber como estão evoluindo cada aluno, turma e escola oferece instrumentos para descobrir onde estão as falhas de aprendizado.

6 - Postergar a estabilidade
Problema: só é possível saber se um professor é bom depois que ele já está trabalhando em sala de aula, mas faltam mecanismos para corrigir e afastar os ruins.
O que pode ser feito: criar um período probatório durante o qual o profissional é avaliado e orientado muito de perto. Só depois disso, caso ele demonstre capacidade, seria efetivado.

7 - Dar mais autonomia para as escolas

Problema:
os sistemas são burocratizados e centralizados, com pouca cobrança de resultados.
O que pode ser feito: um modelo que tem se mostrado promissor é o de conceder ao diretor autonomia para gerir orçamento, definir métodos de ensino e escolher sua equipe de professores. Ele se torna responsável pelo resultado, podendo ser premiado ou punido.

 
ITAMAR MELO

Leitor digital de textos

Leitor digital de textos, o Kindle pode revolucionar hábito da leitura

Ivan Dias Marques | Redação CORREIO

A coluna dói e os braços também. Essa tortura de carregar um monte de livros para escola, faculdade ou para o trabalho pode estar com os dias contados. Desde o dia 19, os brasileiros já podem adquirir o Kindle, um e-reader fabricado pela livraria virtual americana Amazon, uma das maiores empresas na internet do planeta. Nele, é possível armazenar cerca de 1.500 publicações digitais que podem ser baixadas, cada uma, em menos de um minuto via conexão sem fio. O funcionamento do Kindle, que teve três milhões de unidades vendidas nos EUA só este ano, é simples. Uma vez comprado, o cliente já ganha a conexão direta com o site da Amazon, que possui cerca de 200 mil livros digitais, os e-books. Assim, na hora que quiser, seja em Salvador, Paris ou Tóquio, ele pode comprar um livro por cerca de US$ 9,99 (menos de R$ 20). A empresa envia o e-book através de uma conexão 3G (a mesma dos celulares mais modernos) e o comprador pode se deleitar em menos de um minuto.

Na realidade, o preço pela conexão sem fio já está incluso no valor da publicação digital. Além de livros, o Kindle também lê jornais e revistas virtuais e acessa a internet normalmente. A tela é diferente da do computador, com uma tecnologia chamada E ink, que faz a tinta ficar mais escura quando mais iluminada. Outra função bacana é não precisar mais buscar na memória em que parte do livro o autor escreveu determinada frase. O Kindle possui um mecanismo de busca em que é só digitar as palavras desejadas que ele indica as páginas onde elas se encontram. Além disso, nada de poluir páginas com anotações. Existe espaço exclusivo para elas.

Poréns

Mas nem tudo são flores e poesia. O preço do Kindle, vendido internacionalmente na segunda geração (existe uma terceira só para os americanos), chega a quase R$ 1 mil, depois de taxado pelos impostos de importação. Ainda existem poucos títulos em português no site. A maioria é na língua inglesa, o que limita muito o número de compradores nacionais. A visualização, por enquanto, é apenas em tons de cinza. A Amazon espera que só em dois anos o e-reader possa ter uma versão colorida. Apenas o jornal O Globo está disponível para compra virtual. A entrega do Kindle para o Brasil demora cerca de 20 dias. Mesmo com alguns poréns, ele pode colocar o futuro do livro físico em jogo.

Mercado de e-books está em crescimento na Amazon

Os leitores digitais, os e-readers, não são novidade. O que faz do Kindle o favorito para mudar as relações que temos com os livros é a conexão direta com a Amazon e ter a própria livraria por trás dele. De acordo com o americano Jeff Bezos, criador do aparelho e fundador da empresa virtual, 48% dos livros vendidos no site são lidos no Kindle. “Há alguns meses, essa participação era de 35%. O ritmo de crescimento é bastante rápido”, declarou à revista Veja.

O livro mais recente do escritor Dan Brown (de O código Da Vinci), chamado O último símbolo, vendeu mais exemplares digitais do que físicos. O preço do e-book era quase 30% menor que o da versão usual. “É o produto mais vendido entre todos os milhões de artigos que comercializamos no nosso site”, afirma Bezos sobre o Kindle. “É o nosso best-seller”.

Três das principais empresas de material didático americanas já fizeram acordo com a Amazon, o que vai possibilitar que e-books com esse tipo de conteúdo também sejam disponibilizados no site.

Mesmo causando burburinho, o Kindle é ainda a primeira pedra. Outras empresas como Sony, Samsung e Asus pretendem lançar aparelhos semelhantes no mercado. É a concorrência chegando. A tendência é que, como sempre ocorre, em pouco tempo a tecnologia avance e os produtos melhorem cada vez mais.

27/10/2009

Bia Tognazzi e suas desventuras ortodoxas

Mantive contato, durante a semana passada, com o Gustavo, da Editora Dublinense. De um papo bastante agradável via e-mail, em que falei sobre minha vontade conhecer algumas obras da editora com fins de veiculação entre meus alunos. Os temas das obras eram interessantes. Recebi quatro obras: Contas de mais-valia, Sanga menor, Crime na Feira do Livro e um que muito me interessou - já li e recomendei - chamado Moinhos de sangue.
Nessa obra, uma socialite porto-alegrense de 37 anos anseia um casamento. O problema eram seus inúmeros pré-requisitos: ricos, de bom sobrenome, educados e que a mantivessem acesa por muitos anos. Tudo bem que, ao revê-los, ela resolve desistir de encontrar um príncipe encantado e parte para aquele que melhor lhe sairia como marido. A pressão exercida pela mãe, a mais bela mulher de sua época na sociedade gaúcha, pela sobrinha, vista agora como a que mais chamava atenção, tirando o lugar dessa socialite, faz com que ela busque um par definitivo para retomar sua posição. Bia, a personagem principal, tem adoração por Ualdisnei, com quem não deseja casar, pois, além de ter um nome considerado bizarro, falava menas. Preconceito linguístico escancarado. De qualquer forma, ela aplaca Vitor Hugo, casado então com uma bêbada que dava vexames o tempo inteiro. Para tirá-la do caminho, resolve matá-la. A narrativa é toda montada através da ótica de Bia, que fará com que todos caiam em suas artimanhas.
Mais interessante que isso é a forma como Bia Tognazzi dialoga com seus próximos. Soninha, sua melhor amiga desde o colégio e patroa dos pais de Ualdisnei - o que promoveu o encontro entre Bia e Ual - é a fiel escudeira. Intitulam-se Maligna e Maléfica. Soninha, porém, de Maligna não demonstra nada: tem um casamento regular com Cláudio, dois filhos, cuida da casa. Bia não poderia ser assim, já que seu perfil é extremamente agitado, praticamente bipolar. Quando Bia mata a esposa de Vitor, ela não dá nem sinal de arrependimento, tanto que sua amiga nem desconfia de quem fora o assassino. Após, com as mortes posteriores - e do jeito que foram - Maligna desconfiará e acusará Bia, que mal dá bola pra isso e ainda chantageia Sônia.
As atitudes de Bia não têm fim trágico para ela. Num local em que se importa muito mais com as aparências e seus níveis sociais, não há motivo para querer buscar os reais culpados de crimes totalmente abafados pelos realizadores. Assim, o que Bia Tognazzi busca é atingido com êxito, tendo um casamento de sonhos, mesmo não amando ou sequer suportando o marido. Seu desejo era Ual, mas até esse ser ela acaba atingindo. O desatino pela posição gera uma série de desventuras, o que acarreta certo humor ao desenrolar da obra, pois é dessas cretinices que ela cria, através de um desbocamento voraz, que a faz forte e capaz de realizar as ações. Vira ortodoxa, pois o que faz pela primeira vez ela fará mais vezes, quantas forem necessárias. A personalidade de Bia é domada pelos instintos mais puros, porém realizados de maneiras mais trágicas.

Nacionalidade, futebol e identidade cultural

por Fernando da Mota Lima – Como sabem os estudiosos da nossa história política e cultural recente, “Um dia na vida do Brasilino”, de Paulo Guilherme Martins, é uma fábula nacionalista publicada no outono de 1961. É assim que o próprio autor data muito anticonvencionalmente seu livreto. O texto está agora disponível na internet, como quase tudo. Passou a circular nela como edição comemorativa dos 41 anos do seu lançamento. Dado que retorna inalterado, é razoável supor que Martins se mantenha fiel à mesma ideologia, que a subscreva com a mesma convicção com que a escreveu em 1961.

O sentido ideológico da fábula é de uma transparência meridiana: o cotidiano do brasileiro, simbolizado na figura de Brasilino, é atravessado do primeiro ao último minuto pela dominação onipresente do imperialismo econômico e cultural. O processo de acelerada globalização disparado a partir de 1964, ano em que os militares impuseram às forças de esquerda uma derrota devastadora, tornou no presente o mote do nacionalismo e anti-imperialismo de esquerda inteiramente anacrônico. No entanto, a ideologia sobrevive aparentemente intocada.

Figura de mil faces, tal a variedade camaleônica com que se amolda a todos os grupos políticos, econômicos e culturais que a adotam, a ideologia nacionalista goza de excelente saúde repontando no discurso exaltado dos que defendem nossa particularidade lingüística, nossa integridade culinária (bastaria lembrar a hilariante apologia da broa de milho feita por um político de esquerda vindo do exílio), as políticas estatizantes como linha de resistência à dominação econômica imposta pelos Estados Unidos, nossa amada e ameaçada identidade cultural. Não se sabe bem o que seja, nossa identidade cultural, mas o fato é que todos os dias alguém aparece na mídia para defendê-la e não raro salvá-la. É tão viva e vigilante que ocupa lugar de destaque no seio da nossa política cultural dispondo de secretaria própria no Ministério da Cultura: a Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural. O título soa um tanto paradoxal. Se celebramos a diversidade cultural, se o argumento da miscigenação cultural e racial tornou-se hegemônico na consciência brasileira, graças antes de tudo à obra admirável de Gilberto Freyre, como explicar a resistência imposta ao livre contato entre culturas em plena era da globalização? Como explicar a instituição de uma secretaria destinada a velar pela nossa identidade, além de a estimular com ações políticas concretas? Como explicar que até entre nós, entre brasileiros de uma região comum, acendam-se os ânimos de pernambucanos contra a invasão do carnaval baiano, que nos levantemos contra os sulistas, os baianos também, e portanto invalidemos um suposto princípio de unidade dentro da identidade nacional?

É também significativo o imenso prestígio político e intelectual de um ideólogo como Ariano Suassuna, defensor de uma noção de cultura e identidade cultural tão extremada que, perto dele, muitos dos nossos nacionalistas mais exaltados parecem cosmopolitas ou ainda entreguistas, se queremos usar um termo ancrônico, todavia ainda vivo na fala intransigente de Suassuna. Como ele próprio afirma sem meias medidas:

Um prêmio chamado Sharp, ou Shell, Deus me livre! Não quero. Acho esses nomes feios. Não recebo prêmio de empresas ligadas a grupos multinacionais. Não sou traidor do meu povo nem estou à venda. (…) A globalização é uma arma que os países ricos têm para perpetuar a dominação sobre os pobres. O patrocínio de multinacionais nos eventos de nosso país é uma tentativa de adormecer a resistência de nosso povo e aviltar a cultura brasileira pelo suborno dos intelectuais.

Coerente com sua concepção extremada de nacionalismo cultural, antes de tudo regionalismo enraizado nas fontes da cultura rústica sertaneja, Suassuna abre fogo contra toda e qualquer expressão da cultura urbana de massas, assim como qualquer expressão da cultura erudita contaminada pelo livre circuito dos empréstimos culturais. Sendo assim, na mesma entrevista dispara contra a bossa nova, o tropicalismo, o rock, Tom Jobim, Caetano Veloso etc. Para ele, globalização é apenas uma arma a serviço da dominação imposta pelos países do capitalismo central a países do tipo do Brasil. Para ele, os símbolos culturais americanos representam pura e simples dominação econômica e ideológica.

Ariano Suassuna fala todo o tempo pelo povo e em nome do povo. Infelizmente, o povo não parece nem um pouco interessado em seguir o enredo que escreve para a cultura e a identidade brasileira. Para desespero do nosso extremado ideólogo, os porteiros de condomínio querem mesmo dizer okei, não oxente. Nossos artistas primitivos, expressão da cultura rústica e pré-moderna celebrada por Suassuna, atendem alegremente ao convite que a cultura urbana de massas lhes acena. O povo brasileiro, não importando o sentido que desejemos atribuir a esse termo tão camaleônico como o nacionalismo cultural, persegue deslumbrado tudo o que o discurso salvacionista de Suassuna repele: o shopping center, o consumismo desvairado, o lixo e o luxo da cultura americana, a língua inglesa disseminada em todos os poros da nossa sociedade, o batuque eletrônico da música sem fronteiras. Deixo Ariano Suassuna em paz com seu regionalismo intransigente e intolerante. Ele importa, para o meu argumento central, como evidência dos extremos a que pode chegar a ideologia que aqui me ocupa.

Se há um símbolo consensual na nossa indefinida e inapreensível identidade cultural, não duvido de que seja o futebol. Aqui vai uma ilustração que me parece mais persuasiva do que a mais refinada elaboração teórica que eu acaso pudesse acrescentar a este artigo. A seleção brasileira enfrentou a argentina na antevéspera do Dia da Independência. Quatro horas antes do jogo ouvi vizinhos cantando festivamente o hino nacional. O fato me chamou a atenção o suficiente para que eu fosse até a varanda. De lá divisei grupos entusiasmados entoando o hino, alguns curiosamente perfilados em pose solene, como se tivessem a bandeira nacional tremulando à frente. Esta, aliás, não tremulava à frente desses grupos tomados de fervor nacionalista, mas tremulava em muitas das varandas e janelas que observei. Os jogadores brasileiros exibiram-se admiravelmente, venceram o jogo e a euforia atravessou sem exagero todas as nossas classes sociais de um extremo a outro do país.

Em contraste com esse espírito de autêntico orgulho nacional, de expressão de unidade cultural sobrepondo-se a divisões de classe e região, dois dias mais tarde vivemos o feriado que historicamente assinala nossa independência política. Preocupado em observar o fato cotejando-o com o precedente relativo à seleção brasileira, não deparei nenhuma expressão de autêntica e espontânea consciência nacional, nenhuma evidência coletiva de orgulho associado à nossa independência. A identidade cultural localizada por Mário de Andrade na inconsciência espontânea do povo parece emudecida durante o dia consagrado à independência política do Brasil. A julgar pela realidade visível, nosso Sete de Setembro é apenas um feriado qualquer que o brasileiro típico aproveita para desfrutar na praia ou dedicar ao lazer dissociado da memória histórica relativa à razão do feriado.

Mas o futebol compreendido como fator de unidade e identidade cultural justifica algumas ponderações que me parecem ainda mais relevantes do que tudo que acabo de anotar acima. Procedendo a um ligeiro exercício de imaginação sociológica, indago de mim para mim próprio qual seria a reação de um nacionalista empenhado na defesa de nossa identidade cultural se acaso vivesse na época em que o futebol começou a penetrar na nossa realidade cultural. Como sabemos, eis um fato importante para a maioria dos brasileiros, o futebol foi introduzido no Brasil por um inglês residente em São Paulo. Esporte de nacionalidade inglesa, o futebol chega à nossa terra no auge do colonialismo inglês, que de resto já dominava a economia brasileira há muito tempo. Ingressa no Brasil como esporte de elite, basta percorrer ligeiramente a iconografia relativa aos estádios de futebol nesse período inicial, e vai sendo gradualmente assimilado pelo povo. É um exemplo fascinante de assimilação cultural processado pela via do desnivelamento, como já nos ensinou Mário de Andrade. Se o jazz constituiu um exemplo de nivelamento, ascendendo de camadas negras socialmente marginalizadas para a elite, o futebol percorreu o percurso inverso.

Mas volto a nosso hipotético nacionalista paladino da identidade cultural. Seria razoável supor que no momento em que o futebol penetrava no Brasil ele reagisse indignado amparado no argumento da nossa autenticidade cultural, alegando provavelmente que o futebol não passava de um instrumento de dominação cultural imposto pelo colonialismo inglês. Falaria provavelmente em nome do povo, cuja integridade cultural precisaria ser por ele defendida, assim como no presente Ariano Suassuna e tantos nacionalistas e regionalistas generosos e abnegados o defendem. Infelizmente, o povo demonstra, mesmo quando tutelado politicamente, como é ainda fato no Brasil do século XXI, ser sujeito de determinados desejos e vontades. Assim, ignorando a alfândega cultural imposta por nosso intelectual nacionalista, foi se aproximando da bola de procedência inglesa, foi batendo bola aqui, mais adiante num terreno baldio, depois num campo de futebol e por fim chegou ao Maracanã, um dos palcos da universalidade futebolística. Como sempre ocorre em qualquer processo de empréstimo ou assimilação cultural, não adotou passiva ou mecanicamente o futebol. O que de fato fez foi adaptá-lo acrescentando-lhe sua ginga de corpo, seu modo próprio de assimilação. Sabem os entendidos, e neste assunto todo brasileiro é entendido, que nada afirmo aqui de original. Estou apenas repetindo com palavras próprias o que Gilberto Freyre e muitos outros intérpretes da cultura, nacionalistas ou não, já disseram bem antes de mim.

Mas o futebol representa no Brasil, além da unidade identitária acima argumentada, nossa maior fonte de orgulho nacional, até mesmo de arrogância nacional. Nem o avanço da globalização econômica e cultural, dissolvendo fronteiras e transportando jogadores através de nações, clubes e símbolos de paixão esportiva cada vez mais indeterminados, abala a estabilidade dessa potente raiz de orgulho e arrogância do brasileiro. O fato é que a globalização converteu a seleção brasileira numa autêntica legião estrangeira, como acertadamente observou Roberto Pompeu de Toledo. Os clubes competem agora em escala global e o jogador, apesar do costumeiro lero-lero nacionalista, quer antes de tudo fama e fortuna. Seu sonho é ir o mais cedo possível para a Europa, fazer vida e glória na Europa. Isso não anula o nacionalismo da torcida, que continua exaltando arrogante os triunfos da nossa legião estrangeira como se cada um daqueles heróis jogasse num clube nacional da nossa idolatria, mas confirma a prioridade objetiva da globalização do esporte.

Penso que as questões acima esboçadas merecem uma reflexão mais detida no momento em que o mundo inteiro acompanha a Copa do Mundo disputada na África do Sul. Ela constitui mais uma evidência da globalização que dissolveu as fronteiras do futebol. Quase todas as seleções competidoras têm de nacional apenas os símbolos estampados nas cores das camisas e no hino de cada seleção. Os jogadores e técnicos obedecem apenas ao critério do melhor contrato ou salário, acrescido da fama. Nossa legião estrangeira, que veste as cores do Brasil, é tão alheia ao cotidiano do nosso futebol que eu mesmo, apreciador deste esporte, desconheço vários dos atletas que nos representam. No entanto, a torcida brasileira, assim como a das demais nações, continua investindo paixão e sentimentos nacionais em símbolos globalizados pelo mercado. Esse fenômeno que no momento coloniza a imaginação das massas em escala global mais uma vez comprova o quanto a ideologia e a realidade objetiva se desencontram na história da cultura.

Da causa do gênero


Na tarde de quarta-feira, na UFRGS, durante a apresentação sobre teorias feministas dentro da literatura, certas alusões inquietaram os educandos. Esse tipo de crítica gira sobre a formulação de homem e de mulher perante a sociedade, transcorrendo seções como a androginia, o homossexualismo e a transsexualidade.
Interessante perceber que tudo nasce da questão física, diriam os antigos teóricos. Nasce-se com um sexo, masculino ou feminino. Depois disso, a ação que o meio provoca, somada à reação que o indivíduo terá acarretará seu gênero, masculino ou feminino. A partir disso, seus desejos passam a aparecer, já na adolescência, o que denotará, por fim, sua sexualidade, sua orientação sexual. Enfim, um ciclo que parece imutável aos olhos do senso comum – mesmo que a maioria desconheça esse tipo de relação.
Como analisamos a teoria de Butler, além de idéias que foram lançadas pelas questões de masculinidade e feminilidade na arte, creu-se na seguinte binonímia: homem e mulher, em si, não existem. São meros signos lingüísticos (a soma de um significante – a imagem veiculada pela palavra – ao seu significado – ao que conhecemos conceitualmente sobre tal) que se travestem na sociedade para reger o que cada um deve ser. Um olhar mais criterioso fará com que observemos que nem toda a apropriação de ser homem ou de ser mulher realmente denota o que somos.
Na literatura, isso é muito evidente. Perguntado sobre quem seria a musa inspiradora para a feição de Madame Bovary, Gustave Flaubert afirma que essa personagem ces’t moi. Ou seja, era ele mesmo. Que bendito fruto é esse que tramita entre o ser homem e o ser mulher numa sociedade fechada e de valores ortodoxos? Na verdade, todos nós. Flaubert seguiu apenas uma visão do que seria a mulher através de sua ótica, criando uma obra tão profunda que é considerada o marco inicial do realismo no mundo. Diversos autores de literatura infanto-juvenil também fizeram o mesmo, tais como Pedro Bandeira, Wagner Costa e outros, e mesmo assim não se viram colocados ou tratados como mulheres por conta disso.
As pessoas têm muita dificuldade para compreender o que é ser algo ou alguém perante o mundo. Sabe-se, outrossim, que o preconceito corre como um vendaval e destrói pessoas pela falta de informação e a posterior discriminação. Somos todos, em âmago, homens e mulheres em busca do encontro consigo mesmo, sem determinar o que é melhor ou pior. Basta que saibamos quem realmente somos.

Leituras adjacentes

Vale a pena ler, por mais longo que seja. Sou assinante da revista Amálgama e volta e meia seguem artigos muito bons. Noutra hora, postarei um sobre futebol e nacionalidade.

IGARAPEBA: UMA FÁBULA NORDESTINA
por Fernando da Mota Lima – Por duas vezes Igarapeba foi arrancada da sua vil e sofrida obscuridade. A primeira, no início do remoto ano de 1964; a segunda, no dia 29 de junho deste ano, quando entrou no noticiário estadual e nacional graças às enchentes que devastaram muitas cidades e vilas de Pernambuco e Alagoas. A primeira data está associada à passagem de Antonio Callado por Igarapeba, então assaltada por um clima de mudança e agitação política absolutamente inéditas na sua história sem história. Callado veio do Rio de Janeiro para escrever uma série de reportagens sobre a tensa e potencialmente explosiva situação política de Pernambuco, sobretudo na região dos canaviais ainda amarrados a relações de produção e trabalho típicas do Brasil colonial. As reportagens, mais tarde enfeixadas no volume Tempo de Arraes, foram publicadas no Jornal do Brasil poucos meses antes do golpe militar que sufocou as transformações em curso no país e particularmente em Igarapeba.




Na reportagem, depois capítulo de livro, intitulada “Fábula da Igreja e do Partido Comunista”, Callado descreve a atmosfera de tensão social liderada pelas duas forças empenhadas na hegemonia do nascente movimento dos trabalhadores organizados em sindicatos rurais: a Igreja Católica, tradicional aliada da oligarquia regional, e o Partido Comunista orquestrado pelo combativo Gregório Bezerra. Callado foi a Igarapeba entrevistar o padre Edgar Carício, líder do sindicato rural na região que compreendia a vila de Igarapeba. Citando o próprio Callado, o encontro ocorreu “… em Igarapeba, um fim de mundo a 175 km de Recife, à beira do grandioso e pérfido Rio Piranji”. O adjetivo grandioso entra na frase, convenhamos, como um cochilo retórico do admirável romancista. Pérfido, com suas águas contaminadas pela calda das usinas e da miséria ribeirinha, o Piranji sempre foi; grandioso, apenas quando seu volume ameaçador transbordava durante as enchentes ocasionais. É o que agora volta a acontecer, só que num grau de devastação sem precedente.



Liguei a TV ontem (29) à noite para ver o noticiário sobre as enchentes na tradicional zona canavieira de Pernambuco. De repente, vejo Igarapeba enquadrada em planos gerais filmados de um helicóptero. Em seguida, cenas filmadas na própria vila: as águas do rio grandioso e pérfido rolando barrentas, os vestígios da ponte destruída, único ponto de conexão entre a vila e a estação ferroviária, que há muito não acolhe trens, e a estrada sinuosa e lamacenta que conduz à rodovia e à “civilização” pernambucana. Por fim o povo, o mesmo povo da minha infância. Vê-lo na TV, com seus corpos retalhados pela miséria e o obscurantismo daquele mundo sem história é repor na minha consciência e memória o pior de minha infância. Quando Antonio Callado passou por Igarapeba, eu, ainda menino, vivia já no Recife, onde vim estudar com toda a minha família. Sendo assim, nada sei em termos de experiência vivida de tudo que aconteceu naquele remoto e turbulento ano do governo Arraes.



O que sei, ouvindo o repórter da Globo enquanto a câmera enquadra planos da vila, é que três coisas cresceram em Igarapeba desde a esquecida passagem de Antonio Callado pelas suas poucas ruas: a população, a miséria e a força destrutiva do pérfido Piranji, agora justamente grandioso. À fábula ironicamente esboçada nas páginas das reportagens e do livro de Callado soma-se uma outra, ainda mais terrível: a da inércia social e política que há séculos castiga uma região assolada pela miséria e o desamparo das gentes. A enchente traz para Igarapeba e sua população irreparavelmente sofrida apenas essa dádiva divina: Igarapeba está na Globo, Igarapeba enfim existe para o Brasil, talvez para o mundo que sopra histericamente suas vuvuzelas para animar em escala global uma Copa do Mundo que tem mais ruído do que futebol.



Por fim, um outro sopro de memória acionado pela reportagem da Globo. Custa-me ainda compreender o arbítrio da memória humana que recria num passado tão brutal apenas os traços nostalgicamente transfiguradores da realidade. Aludo, noutros termos, aos processos psíquicos que nos transportam de volta à infância vivida entre escravos, desvalidos e tantas outras formas brutais de opressão selecionando desse mundo submerso apenas as memórias de beleza e gratificação egocêntrica. Penso, por exemplo, na célebre passagem de Minha Formação na qual Joaquim Nabuco, nosso grande abolicionista, recria nostalgicamente sua infância de senhor de escravos; penso nos meus parentes e amigos provenientes de Igarapeba, que organizam anualmente um Encontro dos Amigos de Igarapeba para celebrar um passado que idealmente recorta apenas a memória conveniente à nossa natureza egoísta. É por essas e outras que cultuamos o mito da infância feliz. Em contraponto, penso em Infância, de Graciliano Ramos, obra rara na grandeza com que investe contra nossas entranhadas mitificações do passado e da infância.



Passada a enchente, que deixará rastros de miséria ainda maiores do que aqueles secularmente enraizados na vida dos igarapebenses, Igarapeba afundará novamente na sua vil e sofrida obscuridade. Seus poucos privilegiados, os que de lá saíram para viver uma vida melhor, certamente renovarão o encontro anual no qual confraternizam por um dia na igrejinha da vila com os humilhados e ofendidos condenados a mofar naquela Sibéria tropical. Como a fábula da miséria nordestina se prolonga através de séculos sem vestígios de solução aparente, é provável que no futuro próximo sobrevenha outra enchente de semelhante magnitude para repor Igarapeba no noticiário do Brasil, talvez do mundo.