Quando migramos para outros estados, os nativos têm o hábito de nos dizerem que cantamos ao falar. Aquele povo boêmio, que antigamente eram os frequentadores de um Bom Fim rodeado de figuras ímpares, imortalizados pelo Magro do Bonfa, personagem do André Damasceno, tem uma certa cantoria na fala. Os demais, no entanto, parecem tão comuns quanto qualquer falante que não tenha grandes influências de culturas mais enraizadas.
No Rio de Janeiro sim as pessoas falam cantando. Ao pedirmos informações sobre onde ficava o bar Garota de Ipanema - local épico, frequentado por Tom e Vinícius, de onde (diz a lenda) saiu a composição pra uma das músicas mais reconhecidamente brasileiras que existe -, o dono de um quiosque na Praia de Ipanema pediu a um auxiliar que o ajudasse a se localizar. Quando o outro começou a falar, algumas vogais, principalmente as fechadas, como /o/ e /u/, eram pronunciadas com maior acentuação ou produzidas mais ao fundo da boca, diferentemente do que julgamos mais comum, proposta ao contrair os lábios.
Com isso, a sonorização se tornou mais leve, ao mesmo tempo que dotando um ritmo constante: som curto, som curto, som longo, som curto, som curto, som longo. A ritmia parece muito associada ao canto de um frevo ou outras músicas tradicionais nordestinas. Soma-se a isso o famoso chiado, ao pronunciar o /s/, e o ronronar dos /r/. Assim, por mais natural que para eles isso seja, para quem vê de fora é uma atmosfera linguística totalmente diferente, nova, musicalmente aceitável.
Claro que é possível que pensem algo parecido em relação a nós. Mas os vários Magros do Bonfá já não parecem tão constantes como outrora - ao menos não os tenho escutado com constância. A nossa musicalidade, na verdade, parece muito com uma partida de futebol, em que o narrador destaca cada quadro que aparece num único lance - nossa pronúncia, independentemente de tudo isso, apenas caracteriza as inúmeras variações linguísticas que há no país, evocando toda a riqueza cultural nele disposto.
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